Observo frequentemente nos atendimentos — e nas relações humanas em geral — uma confusão recorrente entre cuidado e controle. Essa confusão, longe de ser superficial, tem raízes profundas nas vivências emocionais da infância e nos mecanismos inconscientes que moldam nossos vínculos afetivos.
Quando uma pessoa cresce em um ambiente afetivamente instável, com ausência de cuidado, amor condicional ou figuras parentais que não souberam oferecer segurança emocional, é comum que se desenvolva uma carência afetiva estruturante. Esse vazio tende a se manifestar na vida adulta por meio de uma busca intensa por acolhimento, proteção e afeto.
O problema é que, muitas vezes, o que se oferece (ou se aceita) no lugar desse cuidado saudável é o controle. Parceiros que também carregam feridas emocionais não simbolizadas — como abandono, rejeição ou desamparo precoce —, podem desenvolver defesas baseadas na vigilância e no domínio do outro. Controlam não porque amam mais, mas porque precisam garantir a estabilidade emocional que não conseguem construir internamente.
Assim, forma-se o par: de um lado, alguém que deseja ser cuidado e interpretará esse controle como prova de amor; do outro, alguém que teme a perda e controla para se sentir seguro.
“Ele se importa comigo, por isso quer saber onde estou o tempo todo”
“Ele vem me esperar na porta do trabalho todos os dias, é muito atencioso…”
“Se preocupa com meu futuro, me alerta sobre quem serve ou não para minha vida”.
Esse tipo de frase aparece com frequência na clínica. No discurso, parece cuidado; mas, na experiência, o que se vê é uma relação marcada por sufocamento, perda de autonomia, ansiedade e muitas vezes, violência simbólica.
O controle se disfarça de zelo, mas se revela na necessidade de apropriação do outro: querer decidir com quem o outro pode falar, onde pode ir, o que deve vestir, como deve se comportar. São atitudes que, ao invés de nutrir, aprisionam. E por que, então, é tão difícil perceber isso? Porque o amor é confundido com o preenchimento de faltas, e o medo da solidão é maior que a clareza do sofrimento.
O cuidado genuíno oferece espaço. Ele não invade, não exige, não aprisiona. Ao contrário: cuida quem confia, quem acolhe o tempo do outro, quem suporta as próprias angústias sem transformá-las em vigilância.
Cuidar é perguntar “como você está?”, e não “onde você estava?”. É dar apoio sem manipular. É saber que o vínculo pode se manter mesmo sem total controle sobre o outro. Isso exige maturidade emocional — algo que só se constrói com tempo, com reflexão e, muitas vezes, com ajuda terapêutica.
Os vínculos carregam restos de nossas histórias infantis e tendem a se repetir em padrões, muitas vezes disfuncionais. O que buscamos nos outros é, muitas vezes, a tentativa de reparar dores antigas.
Compreender que controle não é cuidado é um ato de libertação emocional. É começar a escolher vínculos mais saudáveis, com mais afeto e menos medo. É também começar a cuidar de si com mais consciência e responsabilidade.
E você? É cuidado ou controlado?