Da fome ao sufocamento: quando a falta de amor vira excesso e o outro não aguenta

No consultório, é comum escutarmos histórias de pessoas que, ao conhecer alguém, se entregam com intensidade. Logo nas primeiras trocas, oferecem tudo: atenção constante, declarações, disponibilidade absoluta. Tentam ser agradáveis o tempo todo, generosas, compreensivas — muitas vezes sem serem solicitadas. E quando, pouco tempo depois, essa pessoa se afasta ou desaparece, a dor é imensa. Vem o sentimento de injustiça: “Mas eu fiz tudo certo!”

Será mesmo que fez? O que está por trás desse roteiro tão repetido?

Muitas vezes, trata-se de um movimento inconsciente, onde a fome, a voracidade de afeto é confundida com amor. Quando alguém passou a vida esperando ser visto, reconhecido, escolhido — pode acabar se tornando hipersensível a qualquer sinal de interesse. Uma pequena abertura do outro já parece sinal verde para projetar ali a chance de ser, finalmente, amado.

É nesse momento que a idealização do vínculo toma o lugar do encontro real. O outro não é mais percebido como alguém com ritmo próprio, limites e subjetividade — mas como uma fonte afetiva que precisa ser mantida a qualquer custo. E quanto mais intensa essa entrega, mais difícil sustentar a frustração quando a reciprocidade não vem na mesma medida.

Essa dinâmica, muitas vezes, sufoca o outro. A relação começa a se organizar em torno de uma demanda silenciosa, mas sentida: “me ama o suficiente para me curar”. E, diante dessa expectativa implícita, o outro — que ainda nem teve tempo de se vincular — se retira. Rompe. Some.

Para quem tem a ferida da rejeição, essa saída reabre todas as dores anteriores. E, mais uma vez, o sujeito acredita que não foi bom o bastante, quando, na verdade, pode ter oferecido demais — e cedo demais.

Do ponto de vista psicanalítico, esse tipo de repetição carrega uma lógica inconsciente: reviver antigas frustrações, na esperança de que, dessa vez, o desfecho seja diferente. Mas, sem elaboração interna, o roteiro se repete — e o sofrimento se acumula.

A saída começa com um trabalho de escuta e elaboração. É preciso aprender a reconhecer sua própria carência sem transformá-la em exigência, a tolerar o ritmo do outro, a sustentar o vazio sem preenchê-lo a qualquer custo.

Amor não é urgência. Amor nasce onde há espaço, troca e tempo. E só é possível quando cada um pode ser — sem precisar salvar ou ser salvo.

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