Você já se perguntou: “Por que isso sempre acontece comigo?”
“Dou o meu melhor, sou fiel, presente, amoroso(a)… e mesmo assim sou traído(a)”?
Essa dor, que se repete como um eco pode, dentre tantas outras possibilidades, esconder um movimento profundo e silencioso: quando nos dedicamos tanto ao outro, ao ponto de nos esquecermos de nós mesmos, podemos estar repetindo uma antiga forma de nos trair — antes mesmo que o outro o faça.
Na clínica, escuto pessoas dizerem fazer “tudo pelo outro” na relação. Cuidam, estão presentes, perdoam, são compreensivas, amorosas, dedicadas. Mas, ainda assim, vivem a dor da traição — mais de uma vez, em diferentes relações.
As vezes pergunto: E você, trai?
A resposta é sempre não, mas muitas vezes essa resposta está equivocada.
Não é incomum que, por trás desse comportamento de agradar ao outro a todo custo, esteja um esforço inconsciente de conquistar um mínimo de amor. O pensamento é o seguinte: “Se eu for perfeita(o), talvez eu não seja abandonada(o) de novo”.
Só que esse movimento, por mais nobre que pareça, vem muitas vezes de um lugar muito antigo: um trauma de confiança vivido ainda na infância.
A primeira traição aconteceu em um período em que, quem deveria proteger, cuidar, acolher, falhou. Para muitas pessoas, a primeira experiência de traição não aconteceu em um namoro ou casamento, mas lá atrás, quando ainda eram crianças.
Quando alguém em quem confiavam profundamente — pai, mãe, avó, cuidador — não pôde protegê-las, acolhê-las, amá-las e aceitá-las tal como eram ou precisavam.
Pode não ter sido proposital. Pode ter sido por fragilidade, ausência emocional, ou porque esses adultos também carregavam suas dores. Mas para a criança, isso foi vivido como traição. Ela confiou cegamente, confiou sua vida, se entregou e se sentiu abandonada e traída nessa confiança.
E é aí que pode nascer um padrão:
“Se eu me anular, agradar, cuidar, talvez eu não seja traída de novo”.
Aqui aparece a repetição: eu me traio, o outro me trai.
Então, a verdade é que essas pessoas traem sim, e muito, mas a si mesmas. O outro trata de fazer com ela o que ela mesma faz. Afinal, na relação, essa pessoa aprendeu que esta é a sua posição nas relações.
É assim que isso se repete na vida adulta. Não por escolha, mas porque o inconsciente busca, de forma insistente, elaborar o que ficou sem resposta. Ou buscar o que ficou faltando.
Quem se abandona na tentativa de ser amada, acaba ensinando — sem saber — que pode ser abandonada.
Quem se trai, ensinando que seus limites não importam, abre espaço para que o outro também os ignore. Afinal, se a própria pessoa faz isso com ela por que o outro deveria agir de forma diferente?
Quando as pessoas se deparam e reconhecem esse padrão, identificando esse ciclo, finalmente, começam a escrever uma nova história.
Podem se amar sem se abandonar, sem se trair.
O caminho para romper com esse padrão começa quando você se pergunta:
– Onde estou me traindo em nome do outro?
– Em que momentos deixo minhas necessidades em segundo plano por medo de perder alguém?
– Quando foi que comecei a acreditar que só teria valor se me anulasse?
Amar não precisa ser sinônimo de se apagar, se anular.
Relacionamento saudável se constrói com presença mútua, não com sacrifício de um só lado.
Se esse tema o(a) toca, talvez seja hora de escutar sua própria história com mais carinho.
Compreender que a dor que você sente hoje não nasceu nesse relacionamento. É antiga, e pede atenção há muito tempo.
Traição não é só o que o outro faz.
Às vezes, é o que se aprendeu a fazer para continuar sendo amado(a).
Mas isso pode mudar.
E começa quando você se escolhe.